22 dezembro 2014

Melhorar a eficiência das UTIs ou Apocalipse Now

"The myth of the workforce crisis: why the US does not need more intensivist physicians"
Kahn JM & Rubenfeld GD. AJRCCM, online first Dec 4, 2014.

Nós tanto falamos que não formamos intensivistas, que não se completa as vagas para residência em Medicina Intensiva, colegas que passam pela Medicina Intensiva e seguem outra especialidade, etc, etc, etc. A ladainha é a mesma em vários lugares. A gente quer que gostem de Medicina Intensiva tanto quanto nós gostamos. Em suma, o intensivista passa por uma fase de carência.

Mas será que se precisa de tantos intensivistas ? Existe sim uma proliferação de UTIs em vários hospitais, com construção de mais unidades, e às vezes o aperto para colocar mais camas nas unidades já existentes. Tem até aquela conta clássica de necessidade de 10% dos leitos hospitalares como UTI. Donde saiu isso ? Experiência dos mais antigos (e sábios). Outra solucionática foi a RDC 7, que colocou a taxa de 1 médico e enfermeiro intensivista para cada 10 leitos, mas não se conta o mix de pacientes que internam. Uma unidade de pós-operatório interna doentes menos complexos que unidades neurológicas, por exemplo.

Bom, mas como há muita desigualdade social no Brasil, não deixamos de tê-la também nos hospitais: a região Sudeste tem mais leitos de UTI por grupo de habitantes que alguns países da Europa; enquanto que há falta deles nas regiões Norte e Centro-Oeste. Alguns hospitais têm mais de 25% dos leitos como UTI ! Seria legal, mas se houvesse um serviço de referenciamento de casos graves para eles... A ocupação destas UTIs "inchadas" então ocorre com pacientes sem tanta gravidade, tanto em hospitais privados quanto públicos.

São muitos problemas, que não se resolvem se não houver integração. É sobre isto que os autores Kahn e Rubenfeld falam neste interessante artigo de opinião/revisão. Há evidências que a presença do intensivista "salva" vidas; então seria óbvio treinar e formar mais intensivistas ! (Ewart et al, 2004; Halpern et al, 2013) Porém esta lógica segue algo como vimos no projeto "bolsa-família": distribuir renda para a classe menos favorecida foi excelente durante algum tempo, mas chega um momento que o projeto é deturpado para manter estas pessoas com bolsa na mesma condição, ao invés de dar condições de independência financeira. Será que teremos como manter a distribuição de bolsas (ou intensivistas) para todo sempre, sendo que a expansão populacional (ou de UTIs) não vai parar ? Outra comparação que o intensivista entende muito: aumentar a formação de novos intensivistas não pode ser como aumentar a oferta de oxigênio nos casos de sepse grave: a oferta nunca chega na demanda. No caso da Medicina Intensiva, treinar cada vez mais intensivistas é o mote dos próximos anos, mas não seria ideal combinar a racionalidade dos cuidados também ?

1. Cerca de 25-30% dos pacientes internados nas UTIs americanas não sofrem nenhuma intervenção ou tratamento relacionado à UTI durante sua permanência no setor; na maior parte dos hospitais, a decisão de internar um paciente na UTI não é conjugada com o intensivista.
2. A formação de intensivistas enfrenta uma crise, sendo que há necessidade de cada vez mais tempo de curso: eram 3 anos incluindo Clínica Médica nos anos 90, e são cerca de 5-6 anos atualmente; isto não é atraente para os jovens, ainda mais que as UTIs vão precisar de médicos de qualquer maneira, mesmo sem especialização. Ainda pode se especular sobre a remuneração e o burnout que não contribuem para valorizar a especialidade nos Estados Unidos (acho que pode ser igual em todo o mundo).
3. Os novos intensivistas não vão necessariamente trabalhar onde eles são mais necessários. E sem essa de importar profissionais. Não sou eu quem diz, são os autores !
4. Uma UTI vive de médicos intensivistas ? Claro que não; bota dez vezes mais complexidade para a necessidade de enfermeiros intensivistas.
5. Outras especialidades vivem crises até piores: Pneumologia, Emergência, Reumatologia e Cirurgia Geral parecem estar mais desesperadas que nós... Vamos olhar ao redor: será que os governos devem focar na Medicina Intensiva apenas ?

Como fazer ?
1. Aumente a qualidade com eficiência: Treinamento e aperfeiçoamento dos intensivistas médicos e enfermeiros atuais.
2. Telemedicina.
3. Referenciamento eficaz.
4. Avaliação cuidadosa sobre abertura de novos leitos de UTI: checar o burden of critical care da região e a oferta atual de leitos.

Ou nos adaptamos à nova realidade, ou a especialidade pode passar a ser desnecessária. Parece Apocalipse now/Juízo Final... Perdão, eu deveria estar mais otimista neste fim de ano.

André Japiassú

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