27 janeiro 2018

Corticoide na Sepse: a volta dos que não foram

Adjunctive Glucocorticoid Therapy in Patients with Septic Shock. Venkatesh et al, N Engl J Med 2018; online 19/Jan/2018.

Suponhamos que estamos vendo um paciente na UTI, que internou com pneumonia comunitária, desenvolveu insuficiência respiratória aguda e choque. Após as 1as medidas terapêuticas obrigatórias (antibiótico precoce e correto, reposição volêmica, vasopressor para manter PAM > 65 mmHg, ECO para avaliar função cardíaca e inotrópico), o paciente mantém choque e perfusão periférico deficiente. Você espera por algumas horas (6, 8, 12 ou 24, a seu gosto) e o paciente ainda precisando de maiores doses de vasopressor. Você vai iniciar corticoide ? Vejamos numa imaginária linha do tempo:

- 1970 a 1987: talvez, com doses altas (tipo pulso);
- 1987 a 1998: não, doses elevadas de corticoide aumentam mortalidade;
- 1998 a 2008: sim ! parece que doses moderadas reduzem morte, principalmente se o paciente tem disfunção adrenal;
- 2008 a 2017: talvez, mas o estudo CORTICUS (2008) botou pá-de-cal no corticoide; Surviving Sepsis Campaign lavou as mãos e diz que a indicação é fraca.

Pois é. Tudo muda no mundo. Criticos se separaram em céticos e fiéis do corticoide. Alguns afirmaram que o CORTICUS (Sprung 2008) não selecionou corretamente os pacientes (tamanho amostral não foi cumprido), e mantinha terapia com hidrocortisona por um tempo muito além do necessário (11 dias), gerando complicações como hiperglicemia e superinfecções.

O estudo ADRENAL, idealizado e mantido pela ANZICS, foi publicado para tentar reduzir estas críticas e mostrar o real efeito da terapia. Eles já fizeram vários trabalhos definidores, como o SAFE que demonstrou que albumina não aumenta mortalidade, e é apenas semelhante a salina para reposição volêmica no paciente grave.

O ADRENAL foi randomizado, controlado e duplo-cego, com amostra de quase 3800 pacientes, em UTIs de 5 países (predominantemente Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido). Os pacientes incluídos tinham necessariamente suspeita/confirmação de infecção, SIRS >= 2 pontos, ventilação mecânica e vasopressor por mais de 4 horas. Excluiu-se usuários de corticoide previamente ao estudo e também etomidato. Houve perda de menos de 5% dos pacientes por falta de consentimento ou follow-up. A população do estudo é típica de uma UTI geral, com idade média de 62 anos, 2/3 dos pacientes clínicos, com pneumonia como principal sítio de infecção. Os pacientes receberam hidrocortisona 200mg/dia em infusão contínua, em média 20 horas após início do choque e mantido por 7 dias ou até alta/óbito na UTI.

O uso de corticoide no choque séptico não alterou estatisticamente a mortalidade em 90 dias (27,9% vs 28,8%). Porém alguns desfechos secundários foram beneficiados com o uso de hidrocortisona:
- reversão do choque (1 dia a menos): já havia sido demonstrado em vários estudos;
- tempo de UTI (2 dias a menos);
- tempo de ventilação mecânica (1 dia a menos);
- menor uso de transfusão de hemácias (20% a menos).

Outro dado interessante é que eventos adversos como infecções fúngicas e bacteremias não foram diferentes entre os grupos (diferentemente do CORTICUS de 2008). O total de eventos adversos foi 1,1% no grupo corticoide vs 0,3% no grupo controle.

Outras diferenças para estudos antigos foram: não se usou fludrocortisona, não houve retirada gradual de corticoide e não se testou função adrenal (teste com ACTH).

O estudo concluiu que o uso de corticoide em choque séptico não altera a mortalidade em 90 dias. Mas minha impressão é que pode ser pouco parar nesta afirmação: há benefícios em reversão do choque e redução de tempo de ventilação e permanência significativos. Este estudo é provavelmente definitivo neste assunto e indica o lugar certo e justo do corticoide na sepse: no choque, nas primeiras 24 horas, por no máximo 7 dias. Mas não era assim que nós vínhamos usando nestes últimos anos ? Parece até filme de zumbis: voltando de onde nunca saíram.

André Japiassú

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