14 fevereiro 2018

Como evitar sangramento digestivo no paciente grave com nutrição enteral: com ou sem medicamentos ?

"Stress ulcer prophylaxis in intensive care unit patients receiving enteral nutrition: a systematic review and meta-analysis". Huang et al, Crit Care 2018; 22:20.

A profilaxia contra estresse gástrico medicamentosa faz parte de pacotes de prevenção de complicações em vários hospitais do mundo. Esta profilaxia é especialmente útil em pacientes mas graves, principalmente em ventilação mecânica e com discrasia sanguínea (Cook et al, NEJM 1994). Usa-se bloqueadores de receptores H2 (bloqH2) e inibidores de bomba de prótons (IBP), com certa preferência para este último grupo, que consegue deixar o pH gástrico maior e teoricamente reduz o risco de sangramento grave.

Recentemente, a eficácia desta profilaxia tem sido posta em julgamento, porque os medicamentos não são isentos de eventos adversos, como pneumonia nosocomial, doença por Clostridium difficile, delirium e má absorção de medicações por via digestiva, entre outras interações medicamentosas potenciais.

Existe dúvida se a alimentação por via digestiva consegue ser tão eficaz quanto estas medicações. Segundo revisão do site Uptodate(R) do início de 2017, o melhor custo-benefício é o uso de IBP por via enteral, seguido de bloqH2 via venosa e por último IBP via venosa. Esta revisão aponta que o uso de alimentação enteral pode ser protetora, mas as evidências são insuficientes para recomendá-la com este objetivo.

Huang e colaboradores realizaram revisão sistemática entre 3 bases de dados (Pubmed, Embase e Cochrane) de 1994 até set/2017. Apenas 7 trabalhos continham informações sobre medicamentos profiláticos e nutrição enteral (total 889 pacientes). Houve heterogeneidade entre os estudos, com comparação de dieta com placebo, com bloqH2, sucralfato ou IBP.

Não houve diferença na incidência de sangramento digestivo entre pacientes com nutrição enteral que receberam ou não profilaxia medicamentosa (RR 0,8, IC 95% 0,5 a 1,3, p=0,96). Também não houve diferença em outros desfechos como mortalidade hospitalar, PAV, infecção por C difficile, tempo de de ventilação ou UTI.


A conclusão do trabalho é de que o uso de medicamentos profiláticos contra estresse gástrico em pacientes que já recebem nutrição enteral aparentemente não têm benefício em reduzir sangramento, mortalidade ou complicações como infecção por C difficile (exceto PAV). No entanto, ainda permanecemos com a pergunta se a nutrição enteral reduz risco de sangramento, ou a medicação profilática tem baixa eficácia. Esta revisão não consegue separar estas 2 dúvidas ainda, e os autores reconhecem esta limitação. Entretanto, será impossível realizar um trabalho controlado que compare a administração ou não de dieta enteral para se observar a incidência de sangramento ou outros desfechos.

De qualquer maneira, o uso da profilaxia contra estresse gástrico ainda se mantém como rotina nos pacientes mais graves, aumentando a dúvida quanto à eficácia desta terapia.

André Japiassú

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